Zé Pelintra da Margem Sul Yuri Moraes

É fim da madrugada no Cais do Ginjal em Almada. As ruas estão desertas. O cacilheiro atracado chacoalha como se estivesse a “descansar” à espera de mais um dia de idas e vindas. Nessa intensa travessia que busca unir aquilo que a natureza, caprichosamente, separa. Agrega rotinas e vidas. Assim como Almada, na outra margem, Lisboa ainda iluminada também respira em paz.

O vento sopra forte e é gélido. Faz movimentar ainda mais o rio. A sensação que traz é de limpeza da alma que sempre surge após o calafrio. O vento sussurra como se louvasse quem mantém tudo aquilo sob controle.

Pessoas começam a surgir no Ginjal. Algumas rumam apressadas para o trabalho e escolas. Outras seguem sem pressa. A cidade começa a despertar. O Metro Sul chega tal qual uma serpente de aço e eletricidade. Sua portas se abrem e surge um senhor de pouco mais de 80 anos, seu nome é Floriano. Ele pára e respira fundo como se aquele fosse seu primeiro respirar. Fecha os olhos com força e mentaliza em busca de proteção.

Ao abrir os olhos sente uma sensação boa de acolhimento. Mesmo com pressa, ele sente que deve ficar ali mais um pouco. Sua concentração é quebrada por uma voz feminina.

Era a jovem Filipa, filha de uma vizinha que com ar de surpresa diz – Senhor Floriano, viste quem está no banco na margem do rio? Salve ele! Salve! Bendito seja! Salve Seu Zé!
Floriano ajeita os óculos e junto com nascer de mais uma manhã vê sentado no banco aquele que é seu amigo mais fiel. Aquele que traz conforto, proteção e lembranças de outrora. Lembrança desta e de outras vidas.

Toda essa sensação boa só podia ser obra dele, diz.

E grita com vontade:

“Salve o Zé Pelintra da Margem Sul!”
Sua saudação é repetida por outras pessoas.

O sol começa a aparecer e Zé Pelintra segue sentado no Cais do Ginjal. Observa vigilante à espera de alguém para socorrer, alegrar e livrar de qualquer mal. Sempre apostos. É assim hoje. Foi assim ontem. É assim desde que o mundo é mundo para o futuro mais distante.