Mindjer Garande Herivandro Banora

MINDJER GARANDI
Em especial para a mulher africana, coitada!
São 7 horas da manhã, lá está ela de pé e pronta para mais uma batalha diária de sobrevivência e foi num destes dias de batalha que eu a conheci. Os nossos caminhos cruzavam-se sempre de segunda a sexta, eu ia treinar e ela ia ao mercado onde vendia os produtos agrícolas que cultivava na sua quinta com muito esforço e paixão. A tia Inês saía de casa todos os dias para o mercado que fica a menos de um quilómetro da sua casa. No mercado e no bairro toda a gente lhe chamava de “Mindjer Garandi" que é uma forma de chamar uma idosa na Guiné Bissau. Ela nunca frequentou uma escola, não sabe ler nem escrever mas possuía um grande conhecimento tradicional e cultural que a colocava numa posição de grande prestígio na sociedade, uma posição em que muitos formados e ditos doutores do bairro não estavam. Ela era como um museu em pessoa.
Sabia praticamente tudo dos hábitos e costumes antigos, das curas tradicionais e ouvi dizer uma vez que ela também interpretava sonhos.
Ela era uma viúva de aproximadamente 70 anos de idade, vivia numa família tradicional africana com sobrinhos, netos e meia dúzia de filhos, desde o despontar da idade para procriar até ao seu término vai parindo incessantemente sem obedecer aos intervalos razoáveis de nascimentos. Esta situação provocou-lhe um desgaste permanente.
A “ Mindjer Garandi “ voltava para casa às três da tarde, muitas das vezes triste porque nem sempre conseguia vender o suficiente, mas com o passar das horas voltava a ficar feliz porque apesar de não vender o suficiente, “ Mindjer Garandi “ conseguia o dinheiro suficiente para ajudar em casa e na satisfação das necessidades dos netos mais pequenos. Comprava roupas, pagava a escola e refeições diárias. Já em casa a “Mindjer Garandi", confeccionava o jantar para os filhos e as demais pessoas que a frequentavam. Cultivava os campos, mondava, semeava, colhia e carregava à cabeça os produtos agrícolas. Andava pelo mato à procura de lenha para fazer a comida, cortava-a com machado ou catana, empregando muito esforço. Quando não tem água canalizada em casa, ia buscá-la ao fontanário, numa lata que traz à cabeça ou num barril que ia empurrando até chegar a casa. Desde o nascer até ao pôr-do-sol estava constantemente de pé e a trabalhar, andava de um lado para o outro, mexendo isto e aquilo, enxotando as galinhas, os porcos ou as cabras que ali estão.
Todo esse trabalho era executado, muitas vezes, com um bebé recém-nascido da família amarrado às costas. Ela descansava somente à noite, depois de servir tudo à família principalmente aos netos.
Certo dia as suas companheiras ficaram surpresas ao verem o lugar dela no mercado vazio, era de se estranhar “ Mindjer Garandi “ não faltava por nenhuma razão mas naquele dia a doença venceu a sua vontade que nem levantar da cama conseguia dando início assim aos últimos dias de “ Mindjer Garandi “.
Numa manhã de sol o bairro acordou aos gritos e choros - a “ Mindjer Garandi “ se foi, cumpriu a sua dura e feliz jornada neste mundo turbulento. Alguém tinha de a substituir na família, quem foi não sei, só sei que é muito difícil substituir uma mulher como ela.
A grandeza das mulheres africanas advém das suas capacidades de amar, de compreender e de suportar adversidades. Não admira, pois, o espírito de sacrifício que demonstram no trabalho doméstico incessante e no cuidado aos filhos de que elas próprias, às vezes perderam a conta.
A sociedade africana deve muito a mulheres como ela. No silêncio do campo e no bulício dos mercados e das praças, encontramo-las sempre presentes.