Olá Maria Inês Bogalheiro
- Às vezes dou por mim a imaginar como seria se a pequena Maria, de sete anos recebesse uma carta minha… claro que não é possível. Não consigo andar atrás no tempo. Gostaria de o fazer, apenas para a poder ajudar a lidar melhor com tudo o que aconteceu durante a sua infância.
- Estava uma noite bastante calorenta, o que não me permitiu dormir descansada, era tudo ao mesmo tempo: o calor insuportável, e a ideia engraçada, porém incomum, de conseguir comunicar de certa forma com o meu “eu” mais novo. Foi então que, depois de inúmeras voltas na cama, decidi levantar-me e ir à cozinha beber um copo de água. Pensei bastantes vezes se devia escrever a tal carta, ou se iria ser algo estranho do meu marido encontrar. Poderia achar que enlouqueci! Finalmente, agarrei numa folha de papel que estava lá perdida e numa caneta…
“Olá Maria,
Sei que não me conheces, mas eu conheço-te como a palma da minha mão. Não tenhas medo! Eu sou alguém especial, sou o teu anjinho da Guarda.
Sei que neste momento deves estar um pouco confusa e assustada com tudo o que se passa aí em Angola, em Vila Salazar, mas tudo se vai resolver, eu prometo-te.
Provavelmente estás a perguntar-te o porquê de tantas pessoas estarem a acampar no parque de estacionamento da polícia… pois bem, esses polícias são uns verdadeiros heróis! Salvaram toda essa gente! Ah, e as bolachas que comes durante o dia, bem, essas bolachas são as melhores que há no mundo! Foram feitas especialmente para todos os que aí estão!
Sei que perguntas à tua mãe quando podes voltar a ver os porquinhos e a comer moamba nas cobatas, ou quando é que podes voltar a ir brincar com os teus amigos para a rua… É difícil ouvir um “não podes” como resposta, mas a verdade é que a mãe precisa de ti junto dela.
Todas as noites sonhas com as bombas e acordas assustada para te ires esconder debaixo da tua cama… é mau, sim, mas tens a tua família a teu lado para te proteger.
Por último, o pai não deixou de gostar de brincar contigo e com os outros meninos, mas neste momento, ele precisa de descansar para a sua nova missão secreta no futuro. Mas xiu! Não lhe digas nada! A missão é tão mas tão secreta que nem ele sabe que a vai ter.
Prometo-te Maria, que vai correr tudo bem.
Adoro-te,
Anjinho da Guarda”
- Tenho a certeza que se eu recebesse esta carta aos sete anos de idade a iria conseguir ler, o meu pai ensinou-me a fazê-lo durante os serões no nosso jardim. Acho que eu iria ver as coisas de uma maneira menos assustadora se realmente me tivessem mandado uma carta destas.
- Ainda me pergunto onde estarão as outras famílias com quem tive de partilhar refúgio na casa de uma delas. É verdade, foram tempos muito difíceis, com apenas leite para a refeição, por exemplo, mas fomos sempre tão generosos uns com os outros… só lhes desejo, a todos eles, o melhor da vida.
-A verdade é que olho para trás e não digo que tive uma infância má, até foi bastante boa, tirando estes percalços, mas tudo isto faz parte de mim e de quem eu sou hoje. Eventualmente acabei por ir para Lisboa e tirei o meu curso. Na altura achava, e ainda continuo a achar, que foi bastante importante para mim tirar um curso porque não queria seguir o exemplo da minha mãe: ficar em casa a tomar conta dos filhos e completamente dependente do meu pai.
-Estou feliz com quem sou e com a vida que levo.
Esta história baseou-se em factos verídicos. Os nomes foram modificados de maneira a proteger a identidade dos envolvidos.
- Estava uma noite bastante calorenta, o que não me permitiu dormir descansada, era tudo ao mesmo tempo: o calor insuportável, e a ideia engraçada, porém incomum, de conseguir comunicar de certa forma com o meu “eu” mais novo. Foi então que, depois de inúmeras voltas na cama, decidi levantar-me e ir à cozinha beber um copo de água. Pensei bastantes vezes se devia escrever a tal carta, ou se iria ser algo estranho do meu marido encontrar. Poderia achar que enlouqueci! Finalmente, agarrei numa folha de papel que estava lá perdida e numa caneta…
“Olá Maria,
Sei que não me conheces, mas eu conheço-te como a palma da minha mão. Não tenhas medo! Eu sou alguém especial, sou o teu anjinho da Guarda.
Sei que neste momento deves estar um pouco confusa e assustada com tudo o que se passa aí em Angola, em Vila Salazar, mas tudo se vai resolver, eu prometo-te.
Provavelmente estás a perguntar-te o porquê de tantas pessoas estarem a acampar no parque de estacionamento da polícia… pois bem, esses polícias são uns verdadeiros heróis! Salvaram toda essa gente! Ah, e as bolachas que comes durante o dia, bem, essas bolachas são as melhores que há no mundo! Foram feitas especialmente para todos os que aí estão!
Sei que perguntas à tua mãe quando podes voltar a ver os porquinhos e a comer moamba nas cobatas, ou quando é que podes voltar a ir brincar com os teus amigos para a rua… É difícil ouvir um “não podes” como resposta, mas a verdade é que a mãe precisa de ti junto dela.
Todas as noites sonhas com as bombas e acordas assustada para te ires esconder debaixo da tua cama… é mau, sim, mas tens a tua família a teu lado para te proteger.
Por último, o pai não deixou de gostar de brincar contigo e com os outros meninos, mas neste momento, ele precisa de descansar para a sua nova missão secreta no futuro. Mas xiu! Não lhe digas nada! A missão é tão mas tão secreta que nem ele sabe que a vai ter.
Prometo-te Maria, que vai correr tudo bem.
Adoro-te,
Anjinho da Guarda”
- Tenho a certeza que se eu recebesse esta carta aos sete anos de idade a iria conseguir ler, o meu pai ensinou-me a fazê-lo durante os serões no nosso jardim. Acho que eu iria ver as coisas de uma maneira menos assustadora se realmente me tivessem mandado uma carta destas.
- Ainda me pergunto onde estarão as outras famílias com quem tive de partilhar refúgio na casa de uma delas. É verdade, foram tempos muito difíceis, com apenas leite para a refeição, por exemplo, mas fomos sempre tão generosos uns com os outros… só lhes desejo, a todos eles, o melhor da vida.
-A verdade é que olho para trás e não digo que tive uma infância má, até foi bastante boa, tirando estes percalços, mas tudo isto faz parte de mim e de quem eu sou hoje. Eventualmente acabei por ir para Lisboa e tirei o meu curso. Na altura achava, e ainda continuo a achar, que foi bastante importante para mim tirar um curso porque não queria seguir o exemplo da minha mãe: ficar em casa a tomar conta dos filhos e completamente dependente do meu pai.
-Estou feliz com quem sou e com a vida que levo.
Esta história baseou-se em factos verídicos. Os nomes foram modificados de maneira a proteger a identidade dos envolvidos.