Uma Viagem ao Congo Manuel Quintana
Mãe, comprei um bilhete de avião para a República Democrática do Congo... Estas palavras ainda hoje me causam alguma vergonha e embaraço. Tinha comprado uma passagem aérea para um dos países mais perigosos do mundo. Os meus pais não podiam acreditar naquilo que ouviam. O filho mais velho, ainda menor, tinha tomado esta decisão sem os consultar.
No entanto, não viajaria sozinho. Ia com o meu amigo Vasco e teria o apoio local de uma tia, a tia Mafalda, que já levava mais de 30 anos a trabalhar numa empresa congolesa.
Ainda assim, todo o processo foi complicado. Tive de tomar as vacinas em catadupa, tratar do visto na embaixada, da autorização de saída do país com uma advogada e ainda tratar do passaporte que se encontrava caducado.
A minha tia, assim que soube aquilo que eu tinha feito, tratou de nos arranjar um sítio onde pudéssemos ficar alojados e onde fossemos úteis, afinal queríamos ter uma experiência como voluntários. Depois de um tempo a procurar encontrou um sítio, um orfanato gerido por um amigo dela, que estava com necessidade de voluntários que estivessem dispostos a dar uma mão naquilo que fosse preciso. Foi assim que conheci a Pédiatrie Kimbondo, onde trabalhei como voluntário entre finais de Maio e inícios de Julho de 2018.
Depois de um voo de mais de 12 horas, fazendo escala na capital francesa, chegamos ao aeroporto internacional de N'djili. Estávamos ansiosos, assustados, cansados da viagem, mas ao mesmo tempo excitados. Afinal era a primeira vez que estávamos num país africano. Ia ser uma aventura!
O primeiro grande choque que sentimos foi, sem dúvida, o calor. Era um calor que nunca tínhamos experienciado. Para quem nunca esteve num país destes, a sensação que mais se assemelha será a de entrar dentro de um carro que esteve várias horas exposto diretamente ao sol. A diferença é que no caso do carro sempre dá para abrir as janelas, no nosso caso nada podíamos fazer. Tínhamos de nos habituar.
O segundo grande choque foi o trânsito intenso. Se antes me queixava do trânsito "louco" da cidade de Lisboa, rapidamente me apercebi que as minhas queixas eram infundadas. Eram carros, motas, pessoas e animais a andar por todos os sítios possíveis e imaginários. Apesar de termos achado o tráfego uma grande confusão, não pudemos deixar de notar que tudo parecia convergir para uma certa ordem natural das coisas. Uma ordem decerto estranha, diferente, mas é isso mesmo que uma pessoa busca quando viaja. O diferente.
Chegados à Pediatria, ao orfanato onde iríamos ficar alojados, deparamo-nos com o nosso terceiro choque. Não havia eletricidade. Estávamos às escuras. O facto de só termos corrente elétrica durante um par de horas diariamente fez-me apreciar aqueles atos que nós por vezes achamos corriqueiros e damos como garantidos. O simples ato de ligar de um interruptor e a lâmpada acender-se do outro lado tornou-se para nós uma alegria profunda.
Na pediatria, o nosso trabalho era muito procurado. Havia várias áreas onde poderíamos ser úteis e escolhemos as nossas ocupações de acordo com as nossas preferências pessoais. Eu, como sempre tive jeito para bebés e crianças pequenas, decidi fazer-me útil na "Néo", na casinha para as crianças pequenas. Lá, com a preciosa ajuda de uma voluntária espanhola e de uma mulher congolesa, tomamos conta de cerca de 2 centenas de pessoas. Banhos, alimentação, brincadeira, choro, riso, fazer camas e limpar o chão eram parte do meu dia-a-dia. Porém, isto era apenas durante a parte da manhã. Depois do almoço, os meninos normalmente dormiam até às 16 horas e, como tal, tinha tempo para fazer outras coisas.
Podia, então, pegar na ambulância da pediatria (uma pickup de caixa aberta) e ir buscar os meninos portadores de deficiência que estavam na escola (a cerca de 3 kilómetros de distância). Depois disto, descia ao meu quarto para lavar as mãos e almoçar junto com os outros voluntários. Os meus almoços consistiam invariavelmente em pedaços de frango e um pouco de arroz (se houvesse). Por mais curto que fosse o menu disponível, sabia que não me podia queixar. Afinal, ao meu lado (literalmente), havia pessoas que nada tinham para comer.
Da parte da tarde, passava grande parte do meu tempo a dar explicações de matemática, inglês e ciências naturais aos rapazes e raparigas um pouco mais velhos que iam ter exames nacionais. Aqui, uma dificuldade que tive foi a linguagem. O meu francês era (e continua a ser) algo limitado, e o meu Lingala (dialeto local) ainda é pior. Assim, a comunicação era por vezes deficiente. No entanto, não me deixei abater. Os portugueses sempre tiveram fama de se desenvencilharem das adversidades com facilidade e foi isso mesmo que fiz. Fosse recorrendo ao google tradutor ou à linguagem dos gestos, fui conseguindo comunicar e fazer-me entender.
A viagem passou depressa. O tempo parecia que voava. Fiz grandes amizades, passei por desafios, vivi experiências incríveis que espero um dia poder repetir. Quem vai a África volta uma pessoa diferente. Foi isso que aconteceu no meu caso. Voltei de coração cheio.
PS. Se alguém estiver a ler isto, matondo mingi (muito obrigado) pela atenção.
No entanto, não viajaria sozinho. Ia com o meu amigo Vasco e teria o apoio local de uma tia, a tia Mafalda, que já levava mais de 30 anos a trabalhar numa empresa congolesa.
Ainda assim, todo o processo foi complicado. Tive de tomar as vacinas em catadupa, tratar do visto na embaixada, da autorização de saída do país com uma advogada e ainda tratar do passaporte que se encontrava caducado.
A minha tia, assim que soube aquilo que eu tinha feito, tratou de nos arranjar um sítio onde pudéssemos ficar alojados e onde fossemos úteis, afinal queríamos ter uma experiência como voluntários. Depois de um tempo a procurar encontrou um sítio, um orfanato gerido por um amigo dela, que estava com necessidade de voluntários que estivessem dispostos a dar uma mão naquilo que fosse preciso. Foi assim que conheci a Pédiatrie Kimbondo, onde trabalhei como voluntário entre finais de Maio e inícios de Julho de 2018.
Depois de um voo de mais de 12 horas, fazendo escala na capital francesa, chegamos ao aeroporto internacional de N'djili. Estávamos ansiosos, assustados, cansados da viagem, mas ao mesmo tempo excitados. Afinal era a primeira vez que estávamos num país africano. Ia ser uma aventura!
O primeiro grande choque que sentimos foi, sem dúvida, o calor. Era um calor que nunca tínhamos experienciado. Para quem nunca esteve num país destes, a sensação que mais se assemelha será a de entrar dentro de um carro que esteve várias horas exposto diretamente ao sol. A diferença é que no caso do carro sempre dá para abrir as janelas, no nosso caso nada podíamos fazer. Tínhamos de nos habituar.
O segundo grande choque foi o trânsito intenso. Se antes me queixava do trânsito "louco" da cidade de Lisboa, rapidamente me apercebi que as minhas queixas eram infundadas. Eram carros, motas, pessoas e animais a andar por todos os sítios possíveis e imaginários. Apesar de termos achado o tráfego uma grande confusão, não pudemos deixar de notar que tudo parecia convergir para uma certa ordem natural das coisas. Uma ordem decerto estranha, diferente, mas é isso mesmo que uma pessoa busca quando viaja. O diferente.
Chegados à Pediatria, ao orfanato onde iríamos ficar alojados, deparamo-nos com o nosso terceiro choque. Não havia eletricidade. Estávamos às escuras. O facto de só termos corrente elétrica durante um par de horas diariamente fez-me apreciar aqueles atos que nós por vezes achamos corriqueiros e damos como garantidos. O simples ato de ligar de um interruptor e a lâmpada acender-se do outro lado tornou-se para nós uma alegria profunda.
Na pediatria, o nosso trabalho era muito procurado. Havia várias áreas onde poderíamos ser úteis e escolhemos as nossas ocupações de acordo com as nossas preferências pessoais. Eu, como sempre tive jeito para bebés e crianças pequenas, decidi fazer-me útil na "Néo", na casinha para as crianças pequenas. Lá, com a preciosa ajuda de uma voluntária espanhola e de uma mulher congolesa, tomamos conta de cerca de 2 centenas de pessoas. Banhos, alimentação, brincadeira, choro, riso, fazer camas e limpar o chão eram parte do meu dia-a-dia. Porém, isto era apenas durante a parte da manhã. Depois do almoço, os meninos normalmente dormiam até às 16 horas e, como tal, tinha tempo para fazer outras coisas.
Podia, então, pegar na ambulância da pediatria (uma pickup de caixa aberta) e ir buscar os meninos portadores de deficiência que estavam na escola (a cerca de 3 kilómetros de distância). Depois disto, descia ao meu quarto para lavar as mãos e almoçar junto com os outros voluntários. Os meus almoços consistiam invariavelmente em pedaços de frango e um pouco de arroz (se houvesse). Por mais curto que fosse o menu disponível, sabia que não me podia queixar. Afinal, ao meu lado (literalmente), havia pessoas que nada tinham para comer.
Da parte da tarde, passava grande parte do meu tempo a dar explicações de matemática, inglês e ciências naturais aos rapazes e raparigas um pouco mais velhos que iam ter exames nacionais. Aqui, uma dificuldade que tive foi a linguagem. O meu francês era (e continua a ser) algo limitado, e o meu Lingala (dialeto local) ainda é pior. Assim, a comunicação era por vezes deficiente. No entanto, não me deixei abater. Os portugueses sempre tiveram fama de se desenvencilharem das adversidades com facilidade e foi isso mesmo que fiz. Fosse recorrendo ao google tradutor ou à linguagem dos gestos, fui conseguindo comunicar e fazer-me entender.
A viagem passou depressa. O tempo parecia que voava. Fiz grandes amizades, passei por desafios, vivi experiências incríveis que espero um dia poder repetir. Quem vai a África volta uma pessoa diferente. Foi isso que aconteceu no meu caso. Voltei de coração cheio.
PS. Se alguém estiver a ler isto, matondo mingi (muito obrigado) pela atenção.