Angola Laura
A minha relação com a cultura africana é de certa forma indireta. Aquilo que conheço de África e do período da guerra colonial deve-se às histórias que fui ouvindo os meus pais e os meus avós contarem do tempo em que viveram neste continente e do que aprendi nas aulas de história.
A minha mãe e os meus avós maternos viveram em Luanda, capital de Angola durante aproximadamente seis anos. Tudo começou quando o meu avô, que era da PSP na altura, recebeu a proposta de poder ser destacado para Luanda, tendo acabado mesmo por aceitar este desafio. Os meus avós, a minha mãe (que na altura tinha apenas três anos) e o meu tio embarcaram nesta aventura de irem viver para uma cidade que lhes era totalmente desconhecida. Os primeiros anos passados em Luanda são hoje relembrados com nostalgia. A minha mãe destaca as praias maravilhosas, o clima extraordinário em que raramente fazia frio e o dialecto africano, que ela tentou aprender, tendo chegado mesmo a conseguir dizer algumas palavras. A minha avó trabalhava num conhecido mercado de Luanda chamado Maria da Fonte, numa banca de peixe.
Também o meu pai e os meus avós paternos viveram em África. O meu avô foi viver para a cidade de Huambo, conhecida por Nova Lisboa devido às semelhanças que apresentava com a capital portuguesa, com apenas 14 anos, com um irmão mais velho, após os seus pais terem morrido. Mais tarde regressou a Portugal, casou-se com a minha avó, mas rapidamente regressou àquela terra, tendo o meu pai nascido lá. O meu avô tinha uma loja, uma espécie de mini mercado onde vendia de tudo um pouco. O meu pai relembra a gastronomia, as árvores cheias de fruta, os amigos com quem brincava na rua. Destaca também a fusão entre a cultura portuguesa e africana.
O motivo que levou ambos os lados da minha família, bem como centenas de portugueses, a abandonarem o continente africano foi o despoletar da guerra colonial nos anos 60. A vida dos portugueses que tinham imigrado para África complicou-se. O governo português não prestou qualquer tipo de apoio a quem vivia lá. Os africanos ao quererem libertar-se do domínio colonial português começaram a mostrar aos portugueses que a sua presença já não era bem-vinda. O ódio decorrente de anos subjugados ao domínio colonial dispersou-se. O despertar da guerra colonial gerou um período de grande mudança. Luanda e Nova Lisboa deixaram de ser aquelas cidades pacíficas, sem perigos, que eles tinham conhecido uns anos antes. A insegurança e o perigo de lhes poder acontecer alguma coisa cada vez que saiam de casa era uma realidade constante. A minha mãe recorda uma situação que a marcou, pouco tempo antes de ela e o irmão terem sido mandados de volta para Portugal em 1975. Uns primos dos meus avós maternos tinham decidido abandonar África devido à situação insustentável provocada pela guerra. Antes de partirem pediram que os meus avós ficassem com um moço que trabalhava para eles, que se chamava Manel. Nesta altura os movimentos independentistas MPLA, FNLA e UNITA já controlavam grande parte do território. Os meus avós, a minha mãe, o meu tio e o Manel tinham saído de carro. Num dos vários postos de controlo colocados pela cidade foram mandados parar e tinham de responder a todas as eventuais questões que estes lhes pudessem pôr. No entanto, nesta fase da guerra, caso um africano fosse visto com portugueses, este seria considerado um traidor e muito provavelmente seria morto. Os meus avós mandaram o Manel se esconder na parte de trás dos bancos da frente, tendo a minha mãe e o meu tio procurado escondê-lo pondo as pernas por cima para que este não fosse visto pelos guardas. Quase como por milagre, os guardas não revistaram a parte detrás do carro e a situação acabou por não ter o final trágico que poderia ter tido.
Em resultado disto, os meus pais e os meus avós fazem parte então, daquele conjunto de pessoas a quem foi atribuída a designação de “retornados”, aqueles que retornaram ao local que um dia tinham abandonado (Portugal). Muitos dos bens e daquilo que foram amealhando aos longo desses anos a viver em África acabaram por ser perdidos, pelo facto de se terem visto obrigados a sair de uma forma abrupta do local onde viviam, caso contrário poderiam acabar mortos. As memórias daquele tempo permanecem assim guardadas…
A minha mãe e os meus avós maternos viveram em Luanda, capital de Angola durante aproximadamente seis anos. Tudo começou quando o meu avô, que era da PSP na altura, recebeu a proposta de poder ser destacado para Luanda, tendo acabado mesmo por aceitar este desafio. Os meus avós, a minha mãe (que na altura tinha apenas três anos) e o meu tio embarcaram nesta aventura de irem viver para uma cidade que lhes era totalmente desconhecida. Os primeiros anos passados em Luanda são hoje relembrados com nostalgia. A minha mãe destaca as praias maravilhosas, o clima extraordinário em que raramente fazia frio e o dialecto africano, que ela tentou aprender, tendo chegado mesmo a conseguir dizer algumas palavras. A minha avó trabalhava num conhecido mercado de Luanda chamado Maria da Fonte, numa banca de peixe.
Também o meu pai e os meus avós paternos viveram em África. O meu avô foi viver para a cidade de Huambo, conhecida por Nova Lisboa devido às semelhanças que apresentava com a capital portuguesa, com apenas 14 anos, com um irmão mais velho, após os seus pais terem morrido. Mais tarde regressou a Portugal, casou-se com a minha avó, mas rapidamente regressou àquela terra, tendo o meu pai nascido lá. O meu avô tinha uma loja, uma espécie de mini mercado onde vendia de tudo um pouco. O meu pai relembra a gastronomia, as árvores cheias de fruta, os amigos com quem brincava na rua. Destaca também a fusão entre a cultura portuguesa e africana.
O motivo que levou ambos os lados da minha família, bem como centenas de portugueses, a abandonarem o continente africano foi o despoletar da guerra colonial nos anos 60. A vida dos portugueses que tinham imigrado para África complicou-se. O governo português não prestou qualquer tipo de apoio a quem vivia lá. Os africanos ao quererem libertar-se do domínio colonial português começaram a mostrar aos portugueses que a sua presença já não era bem-vinda. O ódio decorrente de anos subjugados ao domínio colonial dispersou-se. O despertar da guerra colonial gerou um período de grande mudança. Luanda e Nova Lisboa deixaram de ser aquelas cidades pacíficas, sem perigos, que eles tinham conhecido uns anos antes. A insegurança e o perigo de lhes poder acontecer alguma coisa cada vez que saiam de casa era uma realidade constante. A minha mãe recorda uma situação que a marcou, pouco tempo antes de ela e o irmão terem sido mandados de volta para Portugal em 1975. Uns primos dos meus avós maternos tinham decidido abandonar África devido à situação insustentável provocada pela guerra. Antes de partirem pediram que os meus avós ficassem com um moço que trabalhava para eles, que se chamava Manel. Nesta altura os movimentos independentistas MPLA, FNLA e UNITA já controlavam grande parte do território. Os meus avós, a minha mãe, o meu tio e o Manel tinham saído de carro. Num dos vários postos de controlo colocados pela cidade foram mandados parar e tinham de responder a todas as eventuais questões que estes lhes pudessem pôr. No entanto, nesta fase da guerra, caso um africano fosse visto com portugueses, este seria considerado um traidor e muito provavelmente seria morto. Os meus avós mandaram o Manel se esconder na parte de trás dos bancos da frente, tendo a minha mãe e o meu tio procurado escondê-lo pondo as pernas por cima para que este não fosse visto pelos guardas. Quase como por milagre, os guardas não revistaram a parte detrás do carro e a situação acabou por não ter o final trágico que poderia ter tido.
Em resultado disto, os meus pais e os meus avós fazem parte então, daquele conjunto de pessoas a quem foi atribuída a designação de “retornados”, aqueles que retornaram ao local que um dia tinham abandonado (Portugal). Muitos dos bens e daquilo que foram amealhando aos longo desses anos a viver em África acabaram por ser perdidos, pelo facto de se terem visto obrigados a sair de uma forma abrupta do local onde viviam, caso contrário poderiam acabar mortos. As memórias daquele tempo permanecem assim guardadas…