Uma Outra Vida Sofia Guerreiro
Recordo-me da minha infância. Cada cheiro, Casa gesto, cada sabor. Lembro-me de pensar que vivia numa plena explosão de sentidos, constantemente.
Atualmente, devido às várias voltas que a vida dá e ao próprio rumo que toma, infelizmente (ou felizmente) tudo o que me resta dos meus dias na Namíbia são memórias, meras memórias que trazem com elas uma saudade enorme. Vivo em Portugal desde que fui forçado a sair do meu país, tinha apenas 13 anos. Não posso dizer que tenha sido uma questão de obrigatoriedade, foi mais uma questão de oportunidade, a qual agarrei com unhas e dentes. Não posso dizer que não tenha sido muito feliz aqui ou em qualquer outro local onde estive depois da minha saída da Namíbia, mas nunca me senti totalmente preenchido, era como se um vazio no interior de mim estivesse sempre presente, tanto quando estava feliz, em família, num daqueles almoços em que cada um revelava a parte que escondia ao resto do mundo, como quando me sentia mais sozinho, mais cansado e sem forças para continuar. Sempre houve uma parte de mim que faltou, bem como sempre houve uma parte de mim que desejou, com todas as forças (mesmo quando me faltavam) voltar ao meu mundo.
Lembro-me tão bem do dia em que a minha mãe me disse que nos iríamos mudar para Portugal, porque o seu marido tinha arranjado um trabalho importante e invulgar. Lembro-me dela, depois de me aconchegar os lençóis e me cobrir com uma manta, se sentar lentamente na borda da minha cama e começar a respirar mais alto, nervosa, com o desejo de dizer alguma coisa, mas sem saber bem como o fazer. Lembro-me tão bem de sentir a sua respiração acelerada e o coração a palpitar. Lembro-me tão bem de sentir a minha respiração acelerada e, igualmente, o meu coração a palpitar depois de ouvir a sua notícia. Um misto de emoções. Por um lado, invadiu-me uma vontade imensa de sair do país, experienciar algo mais, partir à descoberta. Mas, por outro, uma onda de nostalgia apoderou-se de mim. Nostalgia dos momentos anteriores e tão felizes que vivera. E nostalgia dos momentos que não iria viver. Pelo menos, não ali.
Hoje, com 66 anos, reconheço que toda a minha felicidade foi fruto de um esforço e dedicação enormes por parte dos meus pais para me darem uma infância feliz. Vivi numa autêntica encenação, numa realidade totalmente paralela aos conflitos que se deram durante esses anos de luta pela conquista da independência. Mas fui feliz. Imensamente feliz.
Agora, estou velho, sinto-me velho, a envelhecer a uma velocidade descontrolada. Sei que não tenho capacidades ou possibilidades para voltar ao meu país. Enfim, a vida é uma incógnita instável que segue o seu caminho, independentemente do resto. E eu conformei-me com isso, aceitei-o sem questionar.
Mas hoje, hoje desafio a vida. Desafio-a a não levar-me antes de regressar a casa. Que eu não morra antes de pisar terreno africano, as minhas origens! Desafio-te, Vida. Depois verás com quem te estás a meter.
Atualmente, devido às várias voltas que a vida dá e ao próprio rumo que toma, infelizmente (ou felizmente) tudo o que me resta dos meus dias na Namíbia são memórias, meras memórias que trazem com elas uma saudade enorme. Vivo em Portugal desde que fui forçado a sair do meu país, tinha apenas 13 anos. Não posso dizer que tenha sido uma questão de obrigatoriedade, foi mais uma questão de oportunidade, a qual agarrei com unhas e dentes. Não posso dizer que não tenha sido muito feliz aqui ou em qualquer outro local onde estive depois da minha saída da Namíbia, mas nunca me senti totalmente preenchido, era como se um vazio no interior de mim estivesse sempre presente, tanto quando estava feliz, em família, num daqueles almoços em que cada um revelava a parte que escondia ao resto do mundo, como quando me sentia mais sozinho, mais cansado e sem forças para continuar. Sempre houve uma parte de mim que faltou, bem como sempre houve uma parte de mim que desejou, com todas as forças (mesmo quando me faltavam) voltar ao meu mundo.
Lembro-me tão bem do dia em que a minha mãe me disse que nos iríamos mudar para Portugal, porque o seu marido tinha arranjado um trabalho importante e invulgar. Lembro-me dela, depois de me aconchegar os lençóis e me cobrir com uma manta, se sentar lentamente na borda da minha cama e começar a respirar mais alto, nervosa, com o desejo de dizer alguma coisa, mas sem saber bem como o fazer. Lembro-me tão bem de sentir a sua respiração acelerada e o coração a palpitar. Lembro-me tão bem de sentir a minha respiração acelerada e, igualmente, o meu coração a palpitar depois de ouvir a sua notícia. Um misto de emoções. Por um lado, invadiu-me uma vontade imensa de sair do país, experienciar algo mais, partir à descoberta. Mas, por outro, uma onda de nostalgia apoderou-se de mim. Nostalgia dos momentos anteriores e tão felizes que vivera. E nostalgia dos momentos que não iria viver. Pelo menos, não ali.
Hoje, com 66 anos, reconheço que toda a minha felicidade foi fruto de um esforço e dedicação enormes por parte dos meus pais para me darem uma infância feliz. Vivi numa autêntica encenação, numa realidade totalmente paralela aos conflitos que se deram durante esses anos de luta pela conquista da independência. Mas fui feliz. Imensamente feliz.
Agora, estou velho, sinto-me velho, a envelhecer a uma velocidade descontrolada. Sei que não tenho capacidades ou possibilidades para voltar ao meu país. Enfim, a vida é uma incógnita instável que segue o seu caminho, independentemente do resto. E eu conformei-me com isso, aceitei-o sem questionar.
Mas hoje, hoje desafio a vida. Desafio-a a não levar-me antes de regressar a casa. Que eu não morra antes de pisar terreno africano, as minhas origens! Desafio-te, Vida. Depois verás com quem te estás a meter.