Memórias Emprestadas MMM

1969. Embarcou para onde não queria, nunca quis ir. Não tinha como fugir, não sabia se queria fugir. Tinha que estar pronto para lutar por uma pátria, uma pátria que era sua, mas que nessa altura o desiludia, sentia-se amedrontado e sem forças.
A Guerra Colonial já durava fazia 8 anos e em nada parecia estar mais calma.
Chegou a Lourenço Marques, Moçambique, desamparado procurou apoio nos camaradas, aqueles que nunca abandonou, aqueles que viu morrer e os outros que como ele sobreviveram. Lutou, fez o que lhe pediam, lavou toda a loiça que havia, fez todos os serviços de rádio exigidos, pernoitou no mato, utilizou a mesma farda e botas ensopadas dias seguidos, levou as vacinas que lhe deram, poucas e com a mesma seringa para todos, chorou e riu com camaradas e amigos...apaixonou-se. "Foi a paixão que o salvou" ouve-se dizer...e é verdade. A minha avó, a viver em África, boa aluna, humilde e independente, encontrou-o em solo africano e com ele ficou até hoje. Casaram-se na catedral de Lourenço Marques e voltaram. Voltaram para constituir família. Retornados. Voltaram para não regressar ao local onde se conheceram, onde sofreram, mas também onde amaram tanto.

1974. Liberdade. Vivida à flor da pele. Vivida na ânsia de mudança. Esperança. Amor. Casa nova, abrigo, abraço em família e olhar para o futuro. Os filhos mudam tanto, fazem tanto por quem já se ama. Nunca foram a África, nem filhos nem netos, quem sabe se algum dia a conhecerão...

2018. Não se esquece. "Nunca se esquece" diz o meu avô enquanto me acolhe naquele abraço que conforta, aquele que também nunca esquecerei.
Conta as suas histórias. Conta com o seu sorriso, o sorriso que não abandona o seu rosto meigo e amigo. Conta mais uma sempre que pode, tantas que já sei de cor, tantas que fazem parte dele e, agora sei, farão sempre parte de mim e da memória que para sempre terei dele. Pudesse eu escrever tudo o que me conta e teria um livro inimaginável.
Sei que um dia voltará. Afinal, voltamos sempre. Sei que um dia perdoará a terra que tanto mal lhe fez, que em parte lhe toldou a visão para o que ganhou por estar lá. Por estar lá naquele momento.
A sua história em África. A história deles. Nossa.