Boavista Ana Clara Duarte

É engraçado como, depois de se viver anos num país europeu, alienado de uma realidade diferente da ocidental, uma simples visita a um país africano nos pode mudar a perspetiva. A expectativa de um aeroporto com boas condições é anulada pelo deserto que o rodeia. O avião aterra no que muitos considerariam "o nada" e pode-se optar, nos restantes dias, entre visitar Boavista ou ficar preso à ilusão turística de praias limpas, azuis, de um quarto de hotel com uma cama e lençóis, de garrafas de água potável inesgotáveis. Caracterizo estas condições, normais para um ocidental, como ilusórias, uma vez que, em Boavista, muitos dariam o que de melhor têm para poderem beber um copo de água.
Uma das cidades que visitei situava-se no meio do deserto. Os seus habitantes tinham apenas um autocarro de ida, que os levava à capital, e outro de volta para a sua terra. Eram raras as pessoas que tinham carro e a escola tinha poucos alunos, poucas condições, com paredes cobertas de papéis, os quais explicavam a melhor forma de tornar água potável. O inacreditável, que para muitos se pode definir como imaginável, para estes cabo verdianos é uma realidade. Na capital de Boavista, os edifícios não são acabados. Mesmo os considerados "privados" têm, apenas, um fio preso a uma estaca a contorná-los. Os cães, que circulam pela cidade, estão cobertos de feridas, apelam ao carinho de alguém que os queira e as favelas são um elemento constante nas ruas. No entanto, tudo isto é anulado pelo sorriso de quem passa, pela dança daqueles que ali moram, que ali cresceram e que ali têm o seu mundo. Para eles, o pouco é tudo e faz-nos pensar sobre o facto de o tudo, para nós, ser nada.
Fui embora de Cabo Verde, passados alguns dias da minha estadia, com uma mentalidade mudada, com uma vontade de usufruir do tudo ao máximo, de enfrentar o mundo com o sorriso na cara. Muitos dizem que o Ocidente é desenvolvido: eu digo que África nos desenvolve.