Sem Título Vasco Carvalho
Dou três voltas, à quarta a fechadura quase que resiste e a porta só abre, aos solavancos, acompanhada pelo o ranger icónico do cinema. Entra pó, fecha-se a porta. Vou ás apalpadelas até à mesa da sala de jantar, largo a mala e o computador. Retomo cinco passos em direcção ao interruptor. Liga-se a luz. Falo de, e dentro de, uma casa alcatifada, mobilada, decorada, com porta reforçada e paredes grossas, vazia de objectos, a transbordar de gestos. Por outras palavras – aquelas concisas que me trouxeram aqui - dos anos da minha avó em África, sei muito pouco. Algumas alusões, discretas, ensaiavam um pavor passado. Duas ruas, catorze casas, e uma sala de jantar cheia de homens, em troco nu, a raspar suor do corpo com facas. E canas de açúcar. “Sim, canas de açúcar. Uma cifra interminável de canas de açúcar”, deduzo pelo santo silencio; rasto, como tantos outros, o pôr a nu dos restos.
Escrevo.
No avião, entre suores quentes, sorria enquanto subtraia novamente da sua consciência toda a parafernália que ficava para trás. Só o Zinco ofereceu atrito. Era a forma da reverência que devia ao elemento que antecedeu, em forma, o seu destino, numa história que, nos mais longos serões de convívio, a enchia de esperança. “Aquelas são as velhas casas”, disseram-lhe, “Abandonadas. Não tem condições. Vês os buracos no tecto?”. Viu muito mais que isso. Eram indivisíveis. Os elementos, isto é; e ela também. Primeiro chegou o aço transformado, o zinco para as telhas e canalizações, cobre para os fios, alcatrão para as estradas. Os que já lá estavam, infinitamente mais antigos, gozaram a solidariedade de lhes fazer saber a infelicidade do seu para-sempre. O zinco, esburacado, substituído, era uma prova de dinamismo na aparente placidez. O tempo não parava, como tudo fazia querer. Pelo contrário, acelerava.
O cerne da questão: sentir. Sentir é uma delicada articulação entre ser e estar. Os seus vizinhos eram, evidente, infelizmente, mas não estavam; levitavam - o solo, lamacento, no leito do rio, só por disfarce lhes sujava os sapatos. Levitavam assim há 15 anos: a liberdade em que se imaginavam era tão grande que nunca deixaram de entreter o seu ego interdito com fantasias de poder num estado de abundância e permanência a que o zinco, tão claramente, em contrário atestava. Conclui-o que só ela realmente lá estava. Aos outros coube uma chegada diferente, incorpórea, infinita; um mistério inacessível. Não podia, nem queria ser nesse estado em que se recusa a matéria. Aquilo que se fermentava, portanto, em consequência desta isolação ontológica, era um paradoxo inevitável, consequentemente, a salvação dela por ela própria. Um exercício que funcionava pela articulação de dois pólos, “para mudar, não posso mudar”, “Se não quero mudar, tenho de sentir”.
Converteu-se à filosofia do zinco e da chuva. Depois, veio a tosse.
Escrevo.
No avião, entre suores quentes, sorria enquanto subtraia novamente da sua consciência toda a parafernália que ficava para trás. Só o Zinco ofereceu atrito. Era a forma da reverência que devia ao elemento que antecedeu, em forma, o seu destino, numa história que, nos mais longos serões de convívio, a enchia de esperança. “Aquelas são as velhas casas”, disseram-lhe, “Abandonadas. Não tem condições. Vês os buracos no tecto?”. Viu muito mais que isso. Eram indivisíveis. Os elementos, isto é; e ela também. Primeiro chegou o aço transformado, o zinco para as telhas e canalizações, cobre para os fios, alcatrão para as estradas. Os que já lá estavam, infinitamente mais antigos, gozaram a solidariedade de lhes fazer saber a infelicidade do seu para-sempre. O zinco, esburacado, substituído, era uma prova de dinamismo na aparente placidez. O tempo não parava, como tudo fazia querer. Pelo contrário, acelerava.
O cerne da questão: sentir. Sentir é uma delicada articulação entre ser e estar. Os seus vizinhos eram, evidente, infelizmente, mas não estavam; levitavam - o solo, lamacento, no leito do rio, só por disfarce lhes sujava os sapatos. Levitavam assim há 15 anos: a liberdade em que se imaginavam era tão grande que nunca deixaram de entreter o seu ego interdito com fantasias de poder num estado de abundância e permanência a que o zinco, tão claramente, em contrário atestava. Conclui-o que só ela realmente lá estava. Aos outros coube uma chegada diferente, incorpórea, infinita; um mistério inacessível. Não podia, nem queria ser nesse estado em que se recusa a matéria. Aquilo que se fermentava, portanto, em consequência desta isolação ontológica, era um paradoxo inevitável, consequentemente, a salvação dela por ela própria. Um exercício que funcionava pela articulação de dois pólos, “para mudar, não posso mudar”, “Se não quero mudar, tenho de sentir”.
Converteu-se à filosofia do zinco e da chuva. Depois, veio a tosse.